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MULHERES – A VIOLÊNCIA CONTINUA – 10 – por Rachel Gutiérrez

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imagem13[1](Conclusão)

Homenagem a todas as mulheres do mundo, nas figuras de três brasileiras que iluminaram o nosso Feminismo. 

Bertha Lutz

A corajosa paulista Bertha Maria Júlia Lutz, pioneira do feminismo brasileiro, advogada pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e bióloga licenciada pela Sorbonne, ao regressar ao Brasil após sete anos de estudos na Europa, publicou um artigo, em 1918, que desencadeou a campanha pelo voto feminino, da qual tornou-se a líder incansável. Foi diretora administrativa da Legião da Mulher Brasileira, criada no Rio, em 1919, para “amparar e elevar a mulher” e, em 1920, fundou, com a professora Maria Lacerda, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Considerava a educação a força propulsora capaz de conduzir as mulheres à conquista do direito ao trabalho e à participação política. Bertha Lutz tinha consciência de que o voto feminino era “um meio de ação”, apenas o começo de uma longa marcha. Quando Carrie Chapman Catt, a sufragista norte-americana, visitou o Brasil, em 1922, Bertha e suas companheiras já haviam transformado a Liga numa Federação Brasileira das Ligas para o Progresso Feminino (FBPF), órgão central de várias entidades espalhadas pelo país. Muitos itens dos estatutos dessa federação continuam válidos e extraordinariamente atuais. Bertha Lutz participou ativamente de incontáveis reuniões, simpósios, conferências e congressos internacionais, contribuindo decisivamente para tornar o Brasil o quarto país no mundo a conceder o voto às mulheres, em 1932. Duas vezes candidata à Câmara dos Deputados de São Paulo, Bertha ocupou uma cadeira, como suplente, em 1936, e continuou lutando pelos direitos das mulheres até o fechamento do Congresso, no ano seguinte. Aos 81 anos, pouco antes de morrer, Bertha Lutz ainda participou da Conferência Internacional patrocinada pelas Nações Unidas, na cidade do México, no Ano Internacional da Mulher – 1975.

Carmen da Silva

A gaúcha de Rio Grande, considerada por suas companheiras de luta como “a Rainha do Feminismo brasileiro” foi, desde muito jovem, uma mulher independente, e começou sua carreira de jornalista e escritora em Montevidéu e Buenos Aires. De volta ao Brasil no início dos anos 1960, instalou-se no Rio e, durante 20 anos, na revista Claudia, assinou um artigo mensal sob a rubrica “A Arte de Ser Mulher” e respondeu a uma infinidade de cartas das leitoras. Ao assumir essa responsabilidade, Carmen passou a “fazer a cabeça” de milhares de mulheres – e, felizmente, a de muitos homens também – no que diz respeito às novas relações entre os sexos, à condição feminina e à emancipação da mulher. Com altivez, mas com enorme generosidade, com conhecimento de causa, mas sem perder o senso de humor, de sua “tribuna” em Claudia, Carmen nos ajudou a “desmontar os mecanismos de nossa alienação”, como disse Fanon, e nos transmitiu a coragem de agir e o orgulho de sermos nós mesmas. Escritora poderosa, porém pouco preocupada com o sucesso, publicou apenas dois romances e as coletâneas de artigos A Arte de Ser Mulher e Homem e Mulher no Mundo Moderno. Seu último livro – Histórias Híbridas de uma Senhora de Respeito – não é apenas sua bem-humorada autobiografia, é um painel irônico e revelador da condição das mulheres de sua geração. Carmen da Silva declarou: “Escolhi o feminismo como forma específica de luta porque é o terreno onde piso com mais segurança (…): branca, alfabetizada, originária da burguesia média, a opressão sexista é a que mais intensa e diretamente senti na própria carne. “E descobri minha condição plural e me comprometi com ela até o fundo das entranhas.” E no final da autobiografia ela dizia: “Vivi um longo e apaixonado romance com a liberdade.” Seu exemplo, sua alegria, seu espírito de luta e seu compromisso com a “condição plural” da mulher norteiam a teoria e a prática do feminismo no Brasil.

Zuleika Alambert

Nada melhor para ilustrar a trajetória de Zuleika Alambert que os versos, que ela tanto amava, do poeta espanhol Antonio Machado:

Caminhante, são teus passos

o caminho, e nada mais

Pois não havia um caminho pronto para a menina pobre de Santos, que tantas vezes terá brincado diante do mar infinito, sem saber que pertencia à estirpe ilustre das mulheres que traçaram nosso rumo na História. Zuleika pertence à família espiritual de Olympe de Gouges, de Flora Tristan, de Emma Goldmann e de Alexandra Kollontai. Na cidade que, como ela dizia, cheira a mar e café, sonhou, como aquelas mulheres, com a justiça e a liberdade e descobriu sua vocação política.

Caminhante, não há caminho

se faz caminho ao andar

Seu sonho e seus passos abrem o caminho: faz comícios, visita morros e favelas, enfrenta o frio das madrugadas e fala nas portas das fábricas: funda 14 departamentos femininos nos Comitês Populares de Santos, funda a Sociedade pela Cultura Feminina, em São Vicente, e é eleita deputada estadual, pelo PCB, em 1947, aos 22 anos.

No andar se faz caminho,

mas os descaminhos do autoritarismo cassam-lhe o mandato em 1947. Enfrenta a clandestinidade. Volta à luta em 1950 e é, mais uma vez, cassada em 1964. Exila-se primeiro no Chile, depois em Paris. Descobre o feminismo,

e ao olhar para trás (…)

vê a senda que nunca

há de voltar a pisar.

Se antes acreditou que bastava integrar as mulheres na luta política, na vida pública, à beira do Sena pensa no “rio enorme e caudaloso” que nós, mulheres, temos de atravessar. E o seu combate se amplia para denunciar a dominação, a espoliação e a injusta discriminação de que somos vítimas. Deixa “no meio do caminho a pele velha“, decretada a anistia, volta ao Brasil. Chega ao Rio uma nova Zuleika, uma Nova Mulher. Sucessora de Ruth Escobar no Conselho Estadual da Condição Feminina, em São Paulo, faz uma administração admirável e,  concluída a sua gestão, lá permanece trabalhando incansavelmente pela causa das mulheres. Foi uma das melhores oradoras e debatedoras das questões feministas. Ao olhar para trás, Zuleika conta sua vida e, como em seu livro Feminismo, o Pensamento Marxista, não separa a luta individual da luta coletiva por um Brasil mais justo. Zuleika manteve até o fim, em sua brilhante trajetória, que ela qualificava como “complicada”, além da energia e da esperança contagiantes, uma autenticidade e uma simplicidade invejáveis.

A Caminhante, que sabia que

não há caminho

Apenas estrelas no mar… …

tornou-se ela mesma uma estrela que há de continuar iluminando os caminhos das mulheres deste país. Zuleika Alambert morreu, no Rio, em janeiro de 2013, pouco depois de ter completado 91 anos.

Obras consultadas

Chebel, Malek – Islam de Chair et de Sang, Librio, Editions J’AI LU, Paris, 2012.

Eisler, Riane – O Prazer Sagrado, Rocco, Rio de Janeiro, 1996.

Engels, Friedrich – A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Alfa/Ômega, São Paulo s/d.

Fanon, Franz – Les Damnés de la Terre, François Maspero, Paris, 1968.

Garaudy, Roger – Libertação da Mulher, Libertação Humana, Zahar, Rio, 1982.

Gutiérrez, Rachel – O Feminismo é um Humanismo, Booklink, Rio, 2012, 2ª ed.

Hessel, Stéphane – Indignai-vos ! LeYa, São Paulo, 2011.

Le Rider, Jacques – Le Cas Otto Weininger, PUF, Paris, 1982.

Puleo, Alicia H. – Ecofeminismo/Para Otro Mundo Posible, Ediciones Cátedra, Universitat de Valéncia, 2011.

Outras obras de Rachel Gutiérrez

O Feminismo é um Humanismo (ensaio), Antares-Nobel, Rio/São Paulo, 1985; 2ª edição: Booklink, Rio, 2012.

Mulheres em movimento, homens perplexos (coletânea de artigos), Madana, Rio, 1987.

Comigos de mim (poesia), Massao Ohno Editor, São Paulo, 1995.

Cantares (poesia), Booklink, Rio, 2002.

Narcisismo e Poesia (ensaios extemporâneos), Booklink, Rio, 2005.

TEATRO

Lou Andreas-Salomé/Palavra de Mulher/ Solo para Computador (Booklink, Rio, 2012).

_______

Copyright © by Rachel Gutiérrez, 2013

Nota da Coordenação:

Os coordenadores de A Viagem dos Argonautas agradecem a Rachel Gutiérrez e à sua editora, Caravansarai Editora Ltda.

http://www.caravansarai.com.br contato@caravansarai.com.br 

a gentil e generosa autorização para publicarmos em pré-edição esta obra – MULHERES – A VIOLÊNCIA CONTINUA.


Filed under: Ciências humanas, Ciências Sociais. Tagged: direitos humanos, mulheres - a violência continua, rachel gutiérrez

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